Adaptação de mangá. Ano: 2023. Direção: Saitou Keiichirou. Roteiro: Suzuki Tomohiro. Diretor de animação e design de personagem: Nagasawa Reiko. Produção: Madhouse.
O último trabalho do diretor Saitou Keiichirou, Bocchi the Rock!, foi bastante elogiado por ter conseguido, de forma leve e divertida, tratar sobre assuntos complexos e difíceis como solidão e fobia social. Agora, em Sousou no Frieren (Frieren e a Jornada para o Além), Saitou parece querer repetir a dose, só que, em vez de humor, ele faz uso de uma abordagem mais sensível e sutil para falar sobre como o tempo afeta nossas relações.
Logo de início, somos apresentados a Eisen, o guerreiro anão, Heiter, o clérigo humano, Himmel, o herói humano, e Frieren, a maga elfo que empresta seu nome à série. O grupo está ansioso para celebrar e relembrar o tempo que passaram juntos, na jornada para derrotar o poderoso rei demônio e salvar o mundo, antes de se despedirem. Contudo, o momento acaba levantando uma questão bastante peculiar: o tempo passa de forma diferente para os elfos. Frieren enxerga os dez anos que passaram juntos como um simples final de semana e convida o resto do grupo a se reencontrar daqui a cinquenta anos como alguém convidando para tomar um sorvete no próximo domingo. O que para seus companheiros foi toda uma vida, para Frieren foram apenas momentos… ou ao menos é o que ela crê. Pois, ao vê-los morrer um a um, a elfo se vê instigada a repensar o tempo que passou junto a eles e a lamentar as oportunidades perdidas de criar laços mais profundos.
Acompanhamos então a personagem ao lado de sua nova aprendiz, Fern (entregue a ela por Heiter) em uma jornada por lugares que visitara com seus companheiros (agora quase todos mortos) enquanto testemunhamos o amadurecimento e o florescer desses novos sentimentos. E é aí que a sutileza que mencionei ganha destaque. Saitou Keiichiro toma seu tempo (quatro episódios) para nos fazer ver a mudança acontecer. Ele nos dá a oportunidade de questionar e interpretar ações, reações e falas, ampliando a possibilidade de nos identificarmos ainda mais com a personagem. A também mencionada sutilidade fica evidente em momentos como na hora em que Frieren percebe por que Himmel achava que ela gostaria de ir ver o festival de ano novo da cidade costeira (quarto episódio), ou quando (no segundo) percebe que “demorou mais tempo do que imaginava” para ver as flores azuladas que Himmel queria mostrar para ela. São cenas que, além de mostrar como a personagem está mudando, nos emocionam sem precisar apelar para uma trilha sonora melosa e óbvia, justamente por todo o trabalho de criar uma conexão entre nós, os espectadores, e a personagem.
E é esse o real poder dessa adaptação de Sousou no Frieren: nos imergir nessa jornada e nesses sentimentos. Quando, em dado momento, Eisen tem uma determinada reação ao perceber que sua velha companheira mudou, nos pegamos tendo a exata mesma reação; e quando Frieren retoma, ao final desses quatro episódios, a frase que marcou a apresentação da personagem no primeiro, “foi uma mera jornada de dez anos”, conseguimos sentir o novo e sutil, embora presente, toque de ironia que demonstra uma completa mudança de paradigmas.
Agora, Frieren entende que não foram “meros dez anos”. Mais do que isso, ela percebe, enfim, o presente que Heiter, e, acredito, o resto do grupo também, deu a ela: a oportunidade de não só ressignificar o tempo que passaram juntos, como também uma segunda chance para fazer diferente.
Seus amigos criaram laços profundos e memórias marcantes durante o tempo que passaram juntos, tanto entre si como com ela, e queriam, de alguma forma, compartilhar esse sentimento com Frieren. Eles perceberam que essa noção diferenciada do tempo causada por uma longevidade sobre-humana faria muito mal a ela, algo que a própria mestra da elfo também percebera mil anos antes. Isso agravaria a sensação de solidão (como vemos claramente na abertura do anime) e sua aparente apatia e egoísmo. Portanto, se não conseguiram fazer isso em vida, a única maneira seria fazê-la revisitar e reinterpretar o tempo que passou com eles, além de dar a ela a oportunidade de também construir novas e duradouras memórias e aprofundar relacionamentos, agora com Fern.
Ao retomar as falas que abrem o primeiro episódio, o anime consagra esse recomeço e nos propele para o início de uma nova (ainda que velha) jornada, encerrando uma estreia quase perfeita, que peca apenas na caótica decisão de lançar todos os episódios de uma vez, como se fosse para ser um grande filme de 1h30. Ao mesmo tempo que o diretor tenta fornecer um “início, meio e fim” nesses quatro primeiros episódios, ele mantém toda a narrativa de uma série, o que causa uma dissonância que não nos permite, de fato, percebê-los nem como um único filme, nem como uma série. Era melhor ter optado por fazer quatro episódios de fato, tomando mais cuidado com onde cada um termina, ou ter feito um filme prequel coeso.
Animes como Sousou no Frieren são raros. Ostentar tamanha sensibilidade e sutileza é para poucos. O primor técnico aliado ao cuidado em transpor os temas do material base (tempo, mortalidade, memória e relacionamentos) torna este um dos principais animes para se acompanhar nesta temporada e pode elevar o diretor Saitou Keiichirou a um novo patamar.
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